Fim

| domingo, dezembro 02, 2007

O mundo acabou; também a Fonte das Virtudes chega ao fim. Nesta vertente cibernética, a vida recomeçará por outra porta, a anunciar aqui brevemente.


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Como prometido, aqui fica a indicação da nova morada blogosférica:


A criação do mundo


ou, por extenso, http://criacaodomundo.blogspot.com

2 comments | sábado, novembro 03, 2007




Incapaz que sou de ler os versos de Goethe, excepto se traduzidos para idioma inteligível, atrevo-me a inventar significados para as sonoridades germânicas. Thomas Quasthoff pode ser, assim, uma expressão que exprime "perseverança" ou "fome de viver". Talvez num país como o nosso este homem fosse destinado a uma instituição ou, talvez noutros tempos, ao estatuto de atracção circense. Alemão, quis cantar e cantou. E canta como poucos, não apenas o tradicional reportório lírico de barítono mas também, como aqui vemos, fazendo incursões pelo território acidentado do jazz. Faz sentido deixá-lo aqui num tempo em que também eu preciso dessa força de vontade, deixando esquecidas as actualizações deste estaminé.

2 comments | quinta-feira, outubro 25, 2007

Noticia o "La Repubblica" que o Governo de Romano Prodi está a preparar legislação que equipara os blogues à Comunicação Social, obrigando a que em cada blogue haja um jornalista profissional a desempenhar o papel de "editor responsável". Faz lembrar o tempo em que, por cá, qualquer um podia ser dono de uma farmácia desde que contratasse um farmacêutico para director técnico, o que, em muitos casos, correspondia a pagar-lhe para ter o nome numa placa. Esta febre de controlo, resultante da incapacidade de lidar com um meio que escapa às tradicionais formas de policiamento e de pressão - a Internet -, diz bem da qualidade de gente que, por esse mundo fora, ascende às nobres tarefas da governança.


A notícia em "El País" (sempre se percebem melhor os tipos aqui do lado do que os italianos).

0 comments | domingo, outubro 21, 2007

Frekwencja w wyborach parlamentarnych do godz. 19.30 wyniosła 51,4 proc - według sondażu przeprowadzonego przez TNS OBOP na zlecenie TVP, TVP Info i "RZ". Cisza wyborcza została wydłużona co najmniej do 21:00


... estou a "ler" jornais polacos para ver se há resultados das eleições dos gajos.

0 comments | sexta-feira, outubro 19, 2007

Fontana di Trevi, hoje





Fontana di Trevi, sempre



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Falha no "Tratado reformador" a reforma de que este país mais necessitava, isto é, a erradicação daquilo a que chamo "Lisboa enquanto conceito". Não chega a eufórica histeria por ser o "Tratado de Lisboa", pouco importando o que no documento se determinará, pelo que o consenso alcançado entre os líderes europeus já é o "Acordo de Lisboa", assim com maiúsculas, tudo tão importante como a "Estratégia de Lisboa" de outros tempos. E abrem todos as goelas para explicar como o país sai prestigiado, tal e qual como quando um músico qualquer agenda um concerto para a dita cidade, situação tantas vezes descrita com a singela frase "F. vem a Portugal".

0 comments | quarta-feira, outubro 17, 2007

Indo ao assunto que me fez escrever o post anterior, noto que o moralizador do costume, a propósito dessa ideia de Luís Filipe Menezes de dotar Portugal de uma nova Constituição, encara-a como eventualmente "positiva", notando que o actual texto "contém muitos bloqueios a uma liberalização do Estado e da sociedade". Tenho para mim que o liberalismo - falo destes liberais que agora saltam de baixo de todas as pedras, não dos teorizadores de antanho ou dos que derrubaram as monarquias absolutas (para garantirem para eles a nobilitação do poder, não se esqueça) - é mero capricho intelectual de uma elite, mais ou menos endinheirada, que já se vê na mó de cima (os que aí não estão também devem acreditar no Pai Natal) e entenderá a pobreza alheia como golpe certeiro dessa mão invisível que o outro pôs a regular o mundo, no remanso escocês de setecentos, ou até de a interpretar na forma ignóbil teorizada por Malthus. Poderei admitir que o Estado, enquanto entidade autofágica de uma nação, poderá necessitar mais da rédea curta dos cidadãos, mas não foi, até agora, encontrada melhor solução para tentar a inatingível harmonia social. Inatingível, claro, porque a natureza humana combate a harmonia, porque a avidez não se compadece com sentimentalismos e porque a solidariedade é um inimigo a abater por essa sacrossanta entidade que é o mercado. Entregar a assistência (na saúde, na pobreza, na aposentação...) aos que apenas procuram o lucro é uma ignomínia, na simples medida em que o desejo do lucro anula todos os restantes valores (e a solidariedade nasce do coração, não da auto-regulação do mercado). E isto passa-se em todas as escalas, da freguesia ao planeta: retirarei o que disse quando alguém me apontar uma companhia cotada em bolsa que queira acabar com os desequilíbrios no Mundo, ou um Estado "liberalizado" que não esteja nas mãos dos agentes económicos.

3 comments | segunda-feira, outubro 15, 2007

Não me parece que a comunidade científica esteja a dar a devida atenção à pandemia de "liberalismo económico" que grassa no Ocidente. É uma doença corrosiva, ao nível de tantas outras doutrinas dogmáticas, assente em falácias como a auto-regulação ou a meritocracia, tudo isso numa perspectiva divinizadora da iniciativa privada, ignorando puerilmente uma das mais perenes e distintivas facetas da condição humana: a filhadaputice.


Filhadaputice - s. f., característica exclusiva do ser humano, designando, latu sensu, a convergência de factores como a maldade, a ganância, a corrupção, o favorecimento, a ausência de escrúpulos ou a indiferença perante o outro (do Lat. filiu + putu).

0 comments | quarta-feira, outubro 10, 2007

A convite do Sindicato dos Jornalistas, participei, há dias, no segundo debate do ciclo "Conferências de Outono" (o programa segue no fundo do post), consagrado ao tema "Ainda sabemos escrever?". Na mesa estava também o escritor Mário Cláudio, mas faltou o terceiro convidado (José Mário Costa, responsável do site "Ciberdúvidas"), pelo que o quadro em torno da qualidade e da importância da escrita ficou incompleto, embora, ao que me disseram, a coisa não tenha corrido mal de todo. Pediram-me um texto, no qual baseei a minha intervenção, e saiu isto:


Reencontrar o prazer


Portugal é um jogo de sombras. Sítio onde a aparência vence a excelência, este é um país que exagera as glórias do passado, as venturas do futuro e, claro, as conquistas do presente. É isto que somos, nisto vivemos, disto dificilmente escaparemos sem fugir de nós mesmos. Os títulos académicos servem para pôr em cartões de visita e cheques bancários, o sucesso escolar é mais indicador estatístico do que promotor de competências, a televisão enche milhões de vidas, do lazer à ilustração do indivíduo. Assim, quando se pergunta se ainda sabemos escrever, talvez tenha mais pertinência indagar se conseguimos ler.


Não existe uma resposta certa, nem o negro intróito desta exposição se insinua como verdade universal. Mas, sendo eu convocado a reflectir sobre como se escreve na Imprensa periódica portuguesa, tenho de seguir este rumo: não se escreve bem, na medida em que se lê mal.


Trabalhar num diário nascido em 1888 implica, mais tarde ou mais cedo, ouvir alguém dizer que aprendeu a ler com o “Jornal de Notícias”, o que torna mais clara a responsabilidade de quem aí escreve. Hoje, quase 120 anos depois, estar no jornalismo em papel tornou-se causa de dúvidas permanentes, mais existenciais do que metódicas. Queremos saber para quem escrevemos, quem continua disposto a pagar pelo que escrevemos, que nível de exigência têm os leitores, até que ponto sabemos o que eles procuram e até que ponto dar-lhes o que desejam pode sobrepor-se a outros critérios. Tanta dúvida abre caminho a equívocos perniciosos, quando a solução assenta em regras simples: respeitar a deontologia, ter noção do interesse público, ser rigoroso e buscar qualidade na escrita, seja lá isso o que for.


É errado, nesta profissão, desvalorizar a escrita e entendê-la como uma entre várias ferramentas de trabalho. Se a madeira é a notícia, a sagacidade a serra e o rigor a lima, a escrita é formão e lixa fina, é o verniz acetinado que dá vida à peça de marcenaria. É a alma de uma notícia, reportagem, crónica ou mera legenda de fotografia. É uma linha de fronteira entre o exercício técnico e a qualidade distintiva do que é único. A escrita é, enfim, uma das mais importantes armas para que o jornalista não seja reduzido a “produtor de conteúdos”.


Saber escrever, se por isso entendermos o respeito à sintaxe, o rigor semântico ou a abundância do léxico, sempre foi privilégio de poucos. Fazê-lo com arte é engenho dos escolhidos, ou seja, de muitos menos. Significa isso que a massificação do ensino, ou, se preferirmos, a purgação alfabetizadora de um país, dificilmente poderia resultar, neste curto prazo de algumas décadas, num cenário perfeito, atendendo a que a escola – amiúde refém do cumprimento de objectivos institucionais ou comerciais – não pode inculcar nos alunos algo que, sejam ou não intelectualmente estimulados pelos mestres, só dos alunos depende: a apetência pelo prazer.


Sem prazer na escrita não sabemos escrever, e esse gozo educa-se pela leitura, tal como o treino do palato nos leva a descobrir iguarias pela vida fora, mostrando que há mundo para lá do bife com ovo a cavalo. Mesmo quando se escreve num jornal, que servirá para embrulhar peixe e para tapar montras, há que tentar a originalidade em cada texto, seja a reportagem de uma vida ou a breve que faltava para encher a página. Fugir ao lugar-comum, escapar ao vocabulário rançoso e estimular o público deve ser um desafio para cada jornalista, e isso tanto pode ser feito numa notícia, respeitando as regras formais do género, ou numa crónica, voando com as palavras sem perder de vista o leitor, que está em terra. Jornalista e escritor, se bem que possam coincidir na mesma pessoa, são entidades diferentes, e o primeiro tem uma percepção mais próxima da diversidade de quem o lê e da necessidade de transmitir algo a todos. Mas isso não pode coarctar a criatividade. O bom serviço de mesa torna a refeição mais prazenteira do que quando o prato é lançado com estardalhaço. O preço faz a diferença, também nos jornais...


Residirá a raiz do problema, suponho, na forma desastrada como este país tem lidado com a massificação do ensino, a todos os níveis. Reformas sobre reformas do sistema educativo têm servido, quase exclusivamente, para que Portugal tente não deslustrar no retrato europeu. Como se vê nas notícias, temos vindo sistematicamente a perder a batalha da qualificação – e os países do alargamento aí estarão a demonstrá-lo –, não apenas devido ao insucesso escolar mas à circunstância de o êxito ser entendido como mero indicador estatístico, sendo promovido à custa de passagens administrativas (assim é quando os professores são demovidos de reprovar alunos, como acontece de facto), de um sistemático nivelamento por baixo e de muita propaganda. Por trás de tudo isso temos as prolíficas ciências da educação, que dominam as políticas educativas e cuja ânsia de inovar, mudar paradigmas, rever procedimentos ou reformular objectivos está na base de um facilitismo que ajuda o país a afundar-se. Quando a escola quer promover competências ao arrepio da leccionação de conhecimentos, o resultado é gente muito competente em coisa nenhuma. O tratamento dado à literatura nos curricula do Ensino Secundário é triste estandarte de uma sociedade que parece promover a iliteracia.


É neste contexto que hoje se faz jornalismo. Quem trabalha nas redacções sabe que a retórica passadista é, geralmente, a táctica defensiva dos que se sentem ultrapassados, pelo que não é razoável dizer que hoje se escreve pior ou melhor do que em tempos idos. Mas é notório que se escreve a um ritmo diferente, mais frenético (ou precário), porque a própria vida se transformou, também, numa insana aceleração. A pressa de publicação da notícia, num contexto de feroz concorrência, pode significar deslizes editoriais e, claro, afectar a escrita, pois pode ser igual a pressão do tempo para noticiar um acidente rodoviário, ocorrido em cima do fecho da edição, ou para redigir análises que deveriam ser mais cuidadosamente ponderadas.


Nisto tudo, a responsabilidade é nossa, porque todos somos responsáveis pelo tempo em que vivemos. É certo que um jornal – ainda por cima um jornal diário – é feito no fio da navalha. Nasce e morre todos os dias, como expressa o chavão das redacções. Mas não é menos verdadeiro que podemos fazer algo mais em nome da qualidade: no longo prazo, transformando os portugueses em leitores mais exigentes (transformá-los em leitores já não seria mau de todo) e obrigando a um maior esforço de todos os que escrevem profissionalmente; no terreno – agora –, desenvolvendo uma cultura de exigência em torno da escrita, que deverá ser assumida por todos os redactores e estar reflectida nos mecanismos de editoria e materializada em instrumentos como os livros de estilo.


Quero concluir com a questão fulcral do acesso à profissão de jornalista. A implementação e a solidificação entre nós das licenciaturas em Comunicação Social foi um passo decisivo para dignificar o jornalismo. Todavia, os passos decisivos não podem ser corridas desenfreadas e sem rumo. A origem única pode gerar o pensamento único, unificando também as práticas discursivas. Desencantem-se os que imaginam o jornalista como ser isento, impoluto e invariavelmente equidistante. Esses valores, embora utopias que devemos manter vivas, configuram uma impossibilidade, pelo que a única forma de assegurar o pluralismo é a diversidade, associada à capacidade de escolha dos leitores. Sempre a diversidade de origens dos jornalistas foi garante de maior riqueza do jornalismo, e, num momento em que as políticas empresariais resultaram no rejuvenescimento coercivo das redacções e na perda de memória, devemos lutar para que essa riqueza não se perca.


Desconfiemos, portanto, de movimentos corporativos que querem assumir o controlo do acesso à profissão. E saibamos ver, também, a unificação discursiva que a concentração dos media pode gerar, combatendo-a com a melhor arma que nos é dada: buscar a excelência a todos os níveis, dos quais a escrita nunca será o mais baixo.


Pedro Olavo Simões
Outubro de 2007



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«SJ realiza "Conferências de Outono"

«O Sindicato dos Jornalistas (SJ) vai promover, nos meses de Outubro, no Porto, e de Novembro, em Lisboa, um ciclo de debates intitulado "Conferências de Outono" . Temas como o acesso à profissão e o seu futuro, as relações de género nos Média, o caso Maddie ou as novas tecnologias serão tratados ao longo de nove semanas por mais de três dezenas de convidados.
No Porto, os debates realizam-se todas as segundas-feiras de Outubro, às 21 horas, no auditório da Cooperativa Árvore, que apoia a iniciativa. Em Lisboa, os encontros têm lugar todas as quartas-feiras de Novembro, também às 21 horas, na sede do SJ. As conferências destinam-se a jornalistas, estudantes e professores e investigadores da área do Jornalismo e das Ciências da Comunicação, mas são também abertas ao público.


«No Porto, o programa das Conferências é o seguinte:


«01.OUT - "Acesso à profissão: O Caminho do Purgatório?" – Intervenções de Alfredo Maia (Presidente da Direcção do Sindicato dos Jornalistas), Fernando Zamith (jornalista na agência Lusa e docente na Universidade do Porto) e Cynthia Valente (jornalista no "Destak") .


«08.OUT - "Ainda sabemos escrever?" – Intervenções de Mário Cláudio (escritor e docente da Universidade do Porto), Pedro Olavo Simões (jornalista no "Jornal de Notícias" e bloguer do Fonte das Virtudes) e José Mário Costa (responsável pelo sítio Ciberdúvidas).


«15.OUT - "Não te rias que é pior: Humor, Jornalismo e Política" – Intervenções de Manuel António Pina (jornalista e escritor), Carlos Romero (jornalista) e José Manuel Ribeiro (cartunista em "O Jogo").


«22.OUT - "Vamos acabar no Museu? O futuro do jornalismo" – Intervenções de Luís Humberto Marcos (antigo jornalista, director do Museu da Imprensa), Miguel Carvalho (jornalista na "Visão") e Jorge Fiel (jornalista no "Expresso").


«29.OUT - “Ainda podemos escrever? - Incidências do Estatuto do Jornalista e das Novas Leis Penais” – Intervenções de Rui Pereira (jornalista e docente da Universidade do Porto), António Arnaldo Mesquita (jornalista no "Público) e Horácio Serra Pereira (advogado, chefe do Gabinete Jurídico do Sindicato dos Jornalistas).


«As Conferências de Lisboa, cujo programa detalhado será divulgado em breve, abordarão os seguintes temas:


«- "Do caso Casa Pia ao caso Maddie - Jornalismo sob suspeita: Comunicação Social e Justiça"


«- "Jornalismo, Ciência e Ambiente - Informar para uma cidadania activa"


«- "O Jornalismo tem sexo? - A Comunicação Social Perante as Questões de Género"


«- "Novas Tecnologias - Instrumento Para Uma Nova Ordem da Comunicação".»

2 comments | quinta-feira, outubro 04, 2007

Há quatro anos e qualquer coisa, entrou-me na cabeça a ideia de encetar um projecto que hoje ficou concretizado. O momento é de satisfação, levando-me a quebrar o supersticioso jejum em que havia mergulhado a Fonte das Virtudes (também há uns papéis que só agora, cruzada a meta, poderei tirar da mala do carro; maluquices...).

3 comments | domingo, setembro 09, 2007

Trago-vos um assunto relacionado com a minha actividade profissional, mas que, atendendo a que os frequentadores do blogue serão leitores de jornais, também cá terá cabimento. Tem a ver com a recorrente dúvida entre o uso de "islamita" ou "islamista". Para os cães de guarda da linguagem, só a primeira pode existir. No meu jornal, tal como em vários outros, estamos a usar a segunda quando nos reportamos a integralistas islâmicos, porque chegámos a essa conclusão depois de consultar quem do assunto percebe (de fundamentalistas religiosos, não de dicionários). Como esta questão passa a ser para mim uma espécie de guerra santa, passo a reproduzir o comentário que hoje enviei ao site "Ciberdúvidas":


«Creio que, por vezes, a problematização da língua elude alguns aspectos que deveriam ser tidos em conta, transformando dicionários e compêndios gramaticais em livros sagrados e levando filólogos ou linguistas a alcandorar-se a posições sacerdotais. Tal é notório no debate sobre o uso do vocábulo "islamista", designadamente na imprensa escrita. Tanto o jornal em que trabalho - o "Jornal de Notícias" - como o "Público" optam pelo uso de "islamistas" para designar integralistas islâmicos, sentindo eu o dever de aqui notar que não o fazem de ânimo leve.


«Tudo entronca numa problemática que, decerto, escapa aos fautores de dicionários e aos esclarecedores de dúvidas: a conceptualização em ciências sociais e humanas. Não querendo eu enveredar por dissertações sobre os caminhos metodológicos que traçam diferenças entre ciências ideográficas e nomotéticas, bastar-me-á salientar a importância de determinados vocábulos terem significações específicas. Se ao termo "islamita" é dada uma definição ambígua, podendo, em paralelo, ser usado como partidário do islamismo ou inserido na sinonímia de muçulmano, cria-se um problema que terá de ser ultrapassado pelas ciências que estudam estes assuntos.


«Ora, embora o debate não esteja encerrado nos fóruns das ciências sociais, devo notar que o "Jornal de Notícias", tal como, suponho, o "Público", optou pelo uso de islamistas depois de ouvir académicos que estudam estes assuntos, tendo em conta que "islamistas" não constitui uma aberração no processo de construção vocabular. Tudo parte do princípio - estabelecido no processo de conceptualização que vivem as ciências - de que o islamismo não é o Islão, mas sim aquilo a que poderemos chamar o "Islão político", concepção integralista em que religião e Estado (no sentido lato de organização política) são coincidentes, indissociáveis, inevitavelmente permeáveis entre si. É essa a concepção que redunda no estabelecimento de teocracias e que alimenta o fundamentalismo. Daí surge a necessidade do uso de islamista (um neologismo, seja) para designar aqueles que se integram no Islão político, necessariamente sectários, porquanto a ambiguidade de "islamita" (também sinónimo de muçulmano) pressupõe uma insanável fragilidade discursiva. Se está, ou não, nos dicionários, acaba por tornar-se o menor problema.


«A língua constrói-se a partir da necessidade, e espera-se, de filólogos e linguistas, a agilidade mental requerida por um idioma que se quer vivo e adaptado a contingências presentes e futuras. Tê-la-ão, decerto, pois sabem que, se o não fizerem e permanecerem fechados em torres de cristal, serão co-responsabilizados pela agonia da Língua Portuguesa.»

2 comments | sexta-feira, setembro 07, 2007




O pequeno filme que acabaram de ver (alguém os vê? alguém lê realmente este blogue?...) é extraído de um documentário sobre Pavarotti e é particularmente rico. Vemos Luciano na catedral de Modena, onde neste momento está em câmara ardente, cantando com o pai, Fernando Pavarotti, vemos imagens do espectáculo de estreia, em 1961 (Rodolfo, em La Bohème), vemos como ele fala com ternura desse tempo em que três tenores despontavam: ele mesmo, Plácido Domingo e o menos notório de todos, Jaime Aragall, que Luciano aponta como sendo o melhor dos três. Não era. Ponho em baixo Pavarotti e Aragall, ambos cantando a ária de Cavaradossi que abre a Tosca. A voz dita a diferença, como ontem notou a soprano (não consigo escrever "o soprano", como dizem os entendidos) australiana Joan Sutherland: "The quality of the sound was so different... You knew immediately that it was Luciano."





Luciano Pavarotti, Recondita armonia





Jaime Aragall, Recondita armonia

0 comments | quinta-feira, setembro 06, 2007

Existe no preconceito, essa bactéria que gera tantas purulências com notoriedade cultural ou cívica, uma clara incapacidade de contrariar a natureza, porque nada do que é humano a doma verdadeiramente. Luciano Pavarotti, enquanto cantor, voz, fenómeno universal, é essa natureza. O corpo, quiçá maltratado pelos excessos da gula, em especial, morreu hoje. A natureza, ensinou-nos Lavoisier, não se perde nem se cria: transforma-se em memória e perdura.


O preconceito, insistamos nele, surge de todos os lados, e talvez o mais nocivo seja o da aparente erudição, que anatematiza por regra os fenómenos globais e a popularidade, nunca detectando o que é verdadeira excepção. Nunca um cantor lírico foi tão popular ou global como Pavarotti, e isso é algo que as opiniões dominantes, nesse nicho minoritário que é a vida cultural, dificilmente perdoam. Não há problema nisso, porque nada riscam, mas causa fastio ver os que pretendem ler tudo, ouvir tudo e tudo ver, sobre tudo tendo opinião, cingindo a excelência ao soturno, ao minoritário, ao alternativo, ao intimista ou ao secreto.


Pavarotii foi um cantor de maiorias. Pelo tal preconceito, a minoria pensante sempre o pôs pelo menos um patamar abaixo de Enrico Caruso, mesmo que a comparação nunca possa ser feita com seriedade, o que a Luciano pouco importaria, de tal forma venerava o mestre, morto em 1921. Mas irrita que tal resulte apenas do preconceito ou, melhor dizendo, do pedantismo. Pavarotti esteve acima de todos os coevos (e por que não de Caruso?), justamente pelo que de inato havia naquela voz inconfundível, ou seja, pela natureza. Tendo o canto lírico (não confundam com “Bel canto”, por favor) evoluído, em boa parte, pela necessidade de projectar a voz perante a total ausência de sistemas de amplificação, é comum que algum artificialismo - ou esforço mal camuflado – transpareça das vozes. Com Pavarotti não era assim: abria a boca e a música nascia, porque para tal ele próprio nasceu.


Deixo três filmes, escolhidos do que há no YouTube. Não recuo muito ao periodo que desejava, mas sempre presto melhor serviço do que o que tenho visto nas televisões, que insistem nas imagens mais recentes, como a actuação do tenor na abertura dos Jogos Olímpicos de Turim, no ano passado, em que a voz, embora boa, está já afectada pela idade e pela doença. Escolhi “Nessun dorma”, porque, embora não quisesse ter enveredado pelo óbvio, a ária de Puccini (da ópera Turandot) é absolutamente indissociável do cantor. A interpretação é do espectáculo nas termas do imperador Caracalla, em Roma (1990), o primeiro que juntou os “Três tenores”, de que também escolhi “Rondine al nido”, de Vincenzo de Crescenzo, porque a canção napolitana teria de estar representada. E volto a Giaccomo Puccini, com ópera pura e dura, isto é, com Pavarotti a cantar “Che gelida manina”, ária de “La Bohème”, no palco do mítico Teatro alla Scala, em Milão (o registo é de 1979, e a Mimi que permanece calada é a romena Ileana Cotrubas).






Giacomo Puccini/Giuseppe Adami, Nessun dorma





Vincenzo de Crescenzo/L. Sica, Rondine al nido





Giacomo Puccini/Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, Che gelida manina

0 comments | sexta-feira, agosto 31, 2007

Esta canção já uma vez esteve na FdV, mas gosto tanto dela que aqui a ponho novamente, não apenas para dar uso às engrenagens do blogue, mas porque me apetece mesmo. A televisão também está sempre a repetir filmes e séries...





David Bowie, Slip away


Oogie waits for just another day
Drags his bones to see the Yankees play
Bones Boy talks and flickers gray
Oh, they slip away


Once a time they nearly might have been
Bones and Oogie on a silver screen
No one knew what they could do
Except for me and you
They slip away
They slip away


Don't forget to keep your head warm
Twinkle twinkle Uncle Floyd
Watching all the world and war torn
How I wonder where you are


Sailing over Coney Island
Twinkle twinkle Uncle Floyd
We were dumb but you were fun, boy
How I wonder where you are
Oo-oo


Oogie knew there's never ever time
Some of us will always stay behind
Down in space it's always 1982
The joke we always knew
Oo-oo
What's-a matter with you

C'mon, let's go
Slip away
Oo-oo

0 comments | quinta-feira, agosto 30, 2007



Exclusivo FdV: Dick Dastardly e Mutley em treinos para as "wacky races" portuenses.

0 comments | sábado, agosto 25, 2007

Diz o site mais manhoso de Portugal que "a Câmara do Porto vai apurar responsabilidades no caso da acumulação de lixo na cidade, detectada na última semana". Ora, a acumulação de lixo é um problema tão velho como a cidade, e, se a mudança de mentalidades das pessoas que sujam é um processo moroso, de séculos, compete às autoridades ir tratando, em continuidade, do assunto. Se amanhã tiver tempo, ou seja, se acordar cedo, talvez dê uma volta por sítios que eu cá sei para mostrar como o Porto dominical se mostra aos turistas, que, pelo que tenho visto, são este ano mais do que muitos.


"A Câmara do Porto vai apurar responsabilidades", à boa maneira portuguesa. Num sítio decente, a primeira coisa a fazer seria limpar, e o processo de apuramento de responsabilidades correria em paralelo, sem parangonas mas com eficácia. Mas estamos a falar de um município português, ainda por cima deste Porto despovoado e desmiolado.


Enquanto houver corridas de automóveis e piruetas aeronáuticas, aquela chusma fica contente e não faltam observadores deleitados. Isso de o centro histórico do Porto ainda ser património da Humanidade é coisa despicienda, que a nada obriga. Até ao dia em que os senhores da UNESCO se lembrem de nos tirar da lista. E a verdade é que - fora todo o resto - os monumentos são mais fiáveis na atracção de estrangeiros do que as corridas de calhambeques e os avatares de Dick Dastardly voando sobre o Douro.


Deixo mais um exemplo de incúria, captado num breve passeio matinal que tantos visitantes também fazerm: subi à Sé e desci à Ribeira (Rua das Aldas, Rua da Pena Ventosa, Largo do Colégio, Rua de Sant'Ana, Rua da Bainharia, Rua dos Mercadores...), passando, obviamente, pela igreja de S. Lourenço (estupidamente chamada de "dos Grilos" em placas indicativas), originalmente associada ao colégio dos jesuítas, onde funciona o seminário maior da diocese portucalense. É um monumento importante, as imagens mostram, sem palavras, como está o lado poente do templo.


Foto de POS


Foto de POS


Foto de POS


Foto de POS

0 comments | sexta-feira, agosto 24, 2007

... reparei agora que estamos a 24 de Agosto, pelo que seria de bom tom este blogue portuense honrar a memória da revolução liberal de 1820. Está honrada.

0 comments | quarta-feira, agosto 22, 2007

Isto da silly season tem tudo a ver com os blogues, ou, de algum modo, pega-se. Nesta vossa baiuca, pelo menos, é quase nula a vontade de escrever algo que aparente ter interesse, pelo que o melhor é estar quieto à espera de melhores dias. Fico, aqui, pelo teste de uma nova forma de alojar sons e outras bagatelas, porque vi aqui e gostei do aspecto. Fiz upload de uma música do Frank Zappa porque... enfim, porque calhou, um pouco como sucedeu a esse insigne futebolista que, certo dia, confessou ter chutado com o pé que tinha mais à mão.





Frank Zappa, Love of my life

0 comments | sexta-feira, agosto 17, 2007

Estava moi-même, ontem, posto em sossego, ou não tanto assim, porque me saracoteava na cadeira, impelido pelo que os auriculares injectavam cá para dentro, quando passou o meu amigo Paulo Felizes, inquirindo o que eu ouvia. Respondi-lhe "música de cotas" e mostrei-lhe o que abaixo reproduzo, ao que ele (um verdadeiro mausoléu, se comparado com a minha arejada juventude) assentiu. Descaradamente.





O tema é, evidentemente, "Layla", com co-autoria de Eric Clapton, quando integrava o projecto Derek and the Dominos, no início dessa longínqua década de 1970. É das canções mais marcantes e inconfundíveis do músico britânico, que no filme atrás surge acompanhado por gente como Jimmy Page, Jeff Beck, Bill Wyman, Charlie Watts ou Steve Winwood. A interpretação é de 1983, no londrino Royal Albert Hall, onde se realizaram dois concertos de apoio ao combate à esclerose múltipla e em homenagem a Ronnie Lane (dos Small Faces e dos Faces), que veio a ser vitimado pela doença, em 1997. A interpretação é memorável, mas hesitei em pô-la aqui, por o som não ser grande coisa. Em alternativa, portanto, deixo um Clapton mais entradote (1999, no Madison Square Garden, em Nova Iorque), mostrando que "Layla" não pára de mexer e extraindo um solo fabuloso da sua Fender Stratocaster.


0 comments | quinta-feira, agosto 16, 2007

Salvas muito poucas excepções, este blogue é feito de pequenos ímpetos. Escrever, reler muito na diagonal e publicar. A palavra é pouco trabalhada, a sintaxe é o que sai, as ideias podem parecer confusas. Para que um texto envergonhe menos, tem de estar um pedaço em pousio, só depois podendo ser relido. Repetindo o processo algumas vezes, sempre algumas arestas surgem afiadas, a pedir o devido desbaste, com grosa, lima ou fina lixa de água. Isto para dizer que, aqui chegado hoje, abri o blogue e vi, no último post, uma construção de tal modo estapafúrdia que até tremi enquanto a corrigia (mentira, isto é só para dramatizar a coisa). Fica aqui o pedido de desculpa endereçado aos excelsos leitores, se é que alguém realmente se demora nesta choça.